Convidei uma amiga que mora em Nova Iorque com a família para falar sobre como um evento tão diferente para nós, brasileiros, impactou sua vida e seu ponto de vista, como mãe, de toda essa história do Irene.
Com a palavra, minha amiga Suzana (Sú, adorei!):
"Moro em Nova Iorque há cinco meses. Meu marido veio trabalhar e vamos ficar aqui um ano. Temos uma filha de dois anos, que atualmente está de ferias da escolinha.
Aqui as babás são muito caras e as empregadas também. Então neste período de três semanas de férias, tenho de me dividir entre os cuidados da casa, comida e os cuidados com a minha querida. Não é nada fácil. Quem é mãe sabe.
As férias começaram na segunda-feira, dia 22 de agosto. E no dia seguinte, após sentir um terremoto de 6 pontos na escala Richter e colocar a informação no Facebook, fico sabendo que é esperada a passagem de um furacão por aqui para o final da semana.
Não tenho muitos problemas com terremotos. Já morei no México, onde passei por vários deles. Só que jamais esperei senti-los aqui! Minha filha estava tirando sua soneca vespertina e eu no computador tentando colocar as minhas coisas em dia. De repente, tremeu. Na hora, várias coisas passaram pela minha cabeça. “É um terremoto? Não pode ser.” “Estou sozinha com ela em casa. E se acontecer algo mais sério?” Mas, a terra tremeu e parou. E ela continuou dormindo, como se nada tivesse acontecido.
E a semana transcorreu sem maiores intercorrências. Até a tarde de sexta-feira. Às duas horas recebo uma ligação do meu marido dizendo que estava vindo para casa para prepará-la. Como? É, é isso mesmo. Lembrei então da Dorothy e do Totó. E de Oz. E da minha infância, tão leve e sem problemas. Estes problemas de adultos que não chegam nas crianças.
Meu marido então chega em casa carregado. Garrafas de água, mantimentos, papel higiênico, papel toalha. Latas, muitas latas. Atum, sardinha, frango, ervilha e milho. Confesso que a partir daí comecei a entrar em pânico. Poderia ser diferente. Eu poderia ser indiferente. Se o furacão passasse e a luz acabasse poderíamos encarar a situação como algo romântico. Mas o cenário é diferente. Afinal, temos uma filha que adora televisão, tem que tomar banho quente, e, sobretudo, tem restrições alimentares severas. Ela nasceu com refluxo gastro-esofágico e tem alergia à proteína do leite de vaca. Não come nada que contenha leite e toma, desde os dois meses de vida, um leite especial. Como alimentar uma criança nestas condições, sem luz e sem água? Por aqui, quando acaba a luz, acaba a água. Daí a razão do pânico.
Começamos então a preparação da casa. Temos um closet na entrada do apartamento que não tem janelas e, portanto, foi considerado o lugar mais seguro. Lá montamos nosso abrigo anti-furacão. Tudo o que poderíamos precisar, caso alguma janela quebrasse, foi posto lá. Todos os objetos importantes que ficam na parte inferior dos armários foram retirados (caso a água entrasse). Enfim, sexta-feira e sábado foram dedicados à Irene e à destruição que ela iria causar. Ouvindo as notícias, o pânico aumentava. Decidi que a minha querida não dormiria sozinha no quarto. Então em um arroubo de “A Vida é Bela” (guardadas as devidas proporções) inventamos um acampamento no sofá-cama da sala. Ela adorou. Para ela, dormir na sala com os pais foi uma diversão tão grande que não dormia de jeito nenhum!
E eu vendo a chuva começar e os relâmpagos no céu… E o pânico aumentava. Mas a noite passou. Com muita chuva… Muito vento… Às 6:30, acordei e começamos a ouvir o rádio. Corri para o banheiro para dar o último banho quente na minha filha. A passagem da Irene por Nova Iorque estava prevista para o começo da manhã. Esquentamos o seu almoço e colocamos em uma maleta térmica. Com isto, se a luz acabasse, pelo menos mais um almoço dela estaria garantido. E a verdadeira tempestade veio. E com ela o medo. Mas da mesma forma que ela veio, ela se foi. E o medo também. Aqui em casa não aconteceu nada sério. Sequer acabou a luz.
Será que exageramos? Já ouvi muito isso de lá para cá. Pessoas rindo de nós e dizendo que os americanos são uns loucos. Não tiro a razão daqueles que estão confortavelmente sentados em seus sofás no Brasil vendo a CNN. É verdade. Eles são. Só que a situação não pode ser analisada por este ângulo. Jamais pensarei por este lado. As pessoas que não vivem as situações não podem julgar e no momento as atitudes que tomamos pareceram as mais corretas. Afinal, melhor prevenir do que remediar. É velha a fábula da cigarra e da formiga.
A prioridade ao “montar” e “desmontar” a barricada sempre foi a nossa filha. Suas necessidades e a impossibilidade de deixar que lhe faltasse algo.
Como a Irene eu sei que outros furacões passarão em nossas vidas. E, nesse sentido, tenho a consciência tranqüila de que fiz o máximo para que a Helena não percebesse o transtorno. Como mãe, senti que esse era o meu dever. E o que ficou foi um pedido de “campamento” todas as noites antes de dormir. E a lição que os homens não podem se esquecer nunca: a mãe natureza é sábia e forte, é uma mãe independente que não obedece ordens de ninguém, muito menos do ser humano."